A igreja não tem autoridade pra
dizer o que é certo ou o que é errado, o que deve ser punido ou o que deve ser
perdoado.
As igrejas evangélicas parecem
gostar de se afirmarem diferentes de sua irmã (ou mãe), Igreja Católica, mas
não são tão diferentes assim. E, em ao menos um ponto, elas são muito
parecidas: na pregação da culpa. Há até uma expressão que apesar de injusta (ou
até ingênua) acabou se propagando que é a “culpa católica”.
Se pensarmos bem, quase todo
evangélico tem essa culpa católica, mas para não termos problema, vamos chamar
de “culpa evangélica”. A igreja enquanto órgão institucionalizado tem um estatuto
e toda uma sorte de regras, muitas das quais, pregam – muitas vezes com crença
pia – serem regras “divinas”.
A partir do momento que a
pregação ganha esses contornos “divinais”, mais forte é a doutrinação que se
faz da necessidade de se respeitar cada uma dessas regras e, inevitável, maior
é a seriedade propalada a respeito da quebra de quaisquer desses dogmas.
E como tem dogma nas igrejas.
Muito embora o próprio Paulo de
Tarso, autodeclarado apóstolo de Jesus Cristo e o maior propagador da mensagem
cristã, homem de letras e instruído em filosofia greco-romana tenha dito que “tudo
‘me’ é lícito, mas nem tudo ‘me’ convém”, em algum momento da história a(s)
Igreja(s) sentiu-se no direito de ser o “poder legiferante” de Deus na Terra. Ao
seu alvedrio, passou a incutir uma mensagem de renúncias e restrições à que as
pessoas deveriam se submeter se quisessem estar próximas de Deus.
Nada mais “antipauliano” do que
isso. Ora, Paulo chama o pronome de primeira pessoa para dizer que o que não
convinha que se fizesse era pessoal dele. Ele sabe o que não lhe convinha, mas
não se atreveu a dizer que o que não lhe convinha, também não convinha ao
outro. Tanto que, em outra passagem bastante conhecida dos cristãos, o próprio
Paulo recomenda que “examine-se o homem a si mesmo”. Ou seja, por mais próxima que a pessoa possa
ser de Deus, ela não está autorizada a dizer em nome de Deus o que outro alguém
deve ou não fazer, mas apenas cuidar de si.
Só que isso parece ser pedir
demais.
A igreja, tal qual o pai e a mãe
da criança que começa a engatinhar no mundo, com medo de que aquele imberbe vá
além de seu controle e desbrave fronteiras para além de suas vistas, prefere
proibir qualquer audácia. Com medo de que a pessoa faça algo “diferente”, tende
a proibir que faça qualquer coisa que não seja passível de ser penitente.
E incute culpa. Muita culpa.
Em pouco tempo, a pessoa
doutrinada por textos fora de contextos e por elocubrações viciadas pelas crenças
desses “pregadores”, começa a se sentir devedora por ter ousado ser quem ela é.
Sim, porque a igreja não incentiva que a pessoa se descubra, antes, sempre que possível,
ela exerce uma castração que impede que a pessoa seja a sua própria evolução.
O que desde nascido está sob “os
cuidados” dessa igreja, desde antes de suas primeiras memórias já recebe toda uma
catequização cheia de certos e errados que lhe acompanharão ao longo da sua vida
e lhe farão eco mesmo quando já decidido a não mais ouvi-los. Serão sempre um
barulho que não se calará, enquanto aquele que adere à igreja após crescido,
recebe uma lavagem cerebral (sob a fantasia de espiritual), de modo a abandonar
quem ele é desde a sua essência até a sua superfície, sob pena de não alcançar
a verdadeira redenção.
A igreja castra e segue
castrando. Por analogia, seria dizer que o nascido é “circuncidado” desde que
nasce e o que adere precisa se deixar “circuncidar”.
O que parecem não entender é que quanto
mais um homem controla a sua agressividade para com o exterior (seu impulso,
seja libidinal ou outro), mais severo e agressivo ele se torna para consigo e essa agressividade tem consequências. Na
medida em que a Igreja castra dentro de suas portas, seus adeptos (fiéis até
certo ponto) ao mesmo tempo são obrigados a conviverem com suas humanidades e com tudo que diz
respeito a ser humano. Recebem a cartilha do “certo e errado”, teoria perfeita
para uma prática cheia de acidentes. E esses “acidentes” acontecem o tempo
inteiro – e de propósito!
De repente, sem que se deem conta, a culpa passa a
ser atraente. A culpa gera o remorso que, por sua vez, não tem a intensidade
necessária para fazer com que a pessoa deixe de fazer. Sentindo-se culpada, ela acaba se sentindo próxima do Deus zeloso que lhe “instiga” a consciência para que ela não
se perca o que lhe acaba autorizando pensar que se (mesmo fazendo) Deus ainda fala com ela, significa que o fazer
não faz tão mal assim. E daí a pessoa goza em se equilibrar entre os prazeres do que é
feito e o prazer da culpa experimentada naquilo que fez.
Tudo isso dura até o momento em
que a sua verdade vem a tona e ela precisa lidar com suas consequências. Nesse
instante ela, na ânsia por se manter aceita por aquela comunidade que lhe “julga
divinamente”, corre em apontar a culpa para o outro que não ajudou a igreja a lhe
frear os impulsos (não foi isso que Adão fez com Eva?). Descoberta dando mais
vazão ao seu desejo do que à sua renúncia, a pessoa tende a fingir um
arrependimento que nunca teve (porque instigada para tanto). Repito: remorso
não é arrependimento, é mecanismo de prazer (o eterno confronto entre o "Id" e "Superego", deixando o "Ego" doidinho, doidinho).
Mas então, vem seu pastor ou seu
ministério e lhe oferece a absolvição que nunca fez questão – e que qualquer
pessoa mais racional sabe que não precisa – sentindo-se impune (e impunível, inimputável),
aberta a se concentrar de volta no prazer que nunca deixará de ter: pecar e
tornar a pecar, sentindo culpa porque até na culpa é possível gozar.
Mas vem cá: será que existe mesmo
esse negócio de pecar?
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